Cukor veterano: o homem que filma como Kenny G

Lendo a biografia crítica de John Cassavetes, escrita por Thierry Jousse em 1992, fica claro não só o abismo entre a velha e a nova geração do cinema americano nos anos 1960 e 1970, mas porque acho os últimos longas de George Cukor enfadonhos.

Alto lá, segurem os impropérios porque não se fala aqui do Cukor dos anos 50 – que também me dá sono, mas no qual vejo méritos.

Falo do Cukor engessado no tempo, do cineasta que, quando o mundo (e o cinema) girou 180º no hiato mais brilhante da história de Hollywood, fez filmes com aura de plástico, romances com pouquíssima ou nenhuma contradição dos personagens – estes, aliás, pareciam viver num mundo paralelo.

São assim seus cinco últimos filmes: Travels With My Aunt (1972), Love Among the Ruins (1975), The Blue Bird (1976) – disparado o mais iludido de todos –, The Corn is Green (1979) e o derradeiro Rich and Famous (1981), que Cukor lançou quando batia os 80 anos – morreria em 1983.

De todos os grandes diretores do cinema clássico que continuaram trabalhando nos anos 1970 – assunto que já foi debatido nesse post aqui e será discutido aqui no blog nas próximas semanas até o início do curso Cinema Americano: Anos 70 –, Cukor é o que mais parou no tempo (o que não é um problema em si, já que Billy Wilder continuou fazendo bons filmes nos mesmos moldes de antes) e o que mais filmes insosso fez.

Mas onde entra Cassavetes, citado no início deste texto, na conversa? Pelo seguinte: depois de reafirmar o espírito de liberdade que paira no processo e no resultado em filmes como Shadows, Faces, Husbands ou A Woman Under the Influence, Thierry Jousse chega à seguinte chave de leitura:

“(…) tem vontade de filmar a vida de pessoas verdadeiras.”

Esse desejo que Cassavetes manifesta com seus filmes já no finalzinho da década de 1950 se torna moeda corrente no cinema jovem das décadas seguintes. E aí entra Cukor: quando o cinema americano decide aterrizar na Terra e falar de gente de verdade, Cukor constrói fábulas (The Blue Bird), histórias de superação (The Corn is Green), comédia frívola (Travels With My Aunt), romances de final feliz (Love Among the Ruins e Rich and Famous).

Claro, seria heresia criar escalas de valoração apenas na comparação de duas escolas distintas como Cukor e Cassavetes – o primeiro representa a continuação, enquanto o segundo é pela ruptura. Mesmo assim, é curiosíssimo como Cassavetes fez um cinema inquieto num momento tal, enquanto Cukor sentou na sua confortável cadeira do comodismo.

Um comodismo cinematográfico mal executado, diga-se de passagem, porque Mankiewicz continuou fazendo o de sempre, mas de maneira digna.

O crepúsculo da carreira de Cukor, em especial seu último filme como diretor se parece com uma longa canção de Kenny G: sensaborão. Meu lado venenoso ainda me instiga a dizer o seguinte: o plano final de Rich and Famous – duas velhas amigas centradas frente a lareira prometendo tirar umas férias do mundo, enquadradas num contraluz bizarro –, me dá a sensação de que Kenny G pintou no set do filme, roubou a câmera de Cukor e resolveu ele mesmo filmar o “bom gosto”.

Abaixo, o trailer de Rich and Famous:

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