Life is bitches and money

Me parece inevitável não pensar nesse mote meio escroto que marcou tanto uma parte da produção americana de rap nos anos 90 ao falar de Bem-vindo a Nova York, o filme novo de Abel Ferrara. Pois para isso Deveraux parece estar vivo por acreditar que “life is bitches and money” (o “money” vem, na verdade, como um passaporte para se rodear de “bitches” – sim, evidente que a relação que se estabelece aí é bastante machista) .

Enquanto assistia ao filme e crescia o desconforto com cada sequência (especialmente as de sexo, que Ferrara conduz num tom que não nos convida à ereção), surgiu esse breve pensamento: Deveraux como um gangasta branco, endinheirado, próximo ao poder e establishment (o personagem é inspirado em Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI pego num escândalo sexual em 2011). Bem-vindo a Nova York é um filme sobre um gangsta do colarinho branco.

Marcelo Miranda, num longo texto na Revista Interlúdio, sacou muitas coisas no filme que me parecem importante afirmar. Uma das mais interessantes é que este não é um filme sobre Strauss-Kahn, mas sim uma variação, um duplo, dentro da obra do próprio Ferrara. Recomendo a leitura.

Além de Bem-vindo a Nova York, o segundo filme atualmente em cartaz que me tem feito sentir vontade de sair da toca e finalmente dizer algo sobre o que anda por aí no circuito é Era uma vez em Nova York, título brasileiro para The Immigrant, de James Gray (que chegou para nós mesmo, um pouco tardiamente, com Amantes).

Esse é um “filme de cinema”, coisa rara de se achar por aí. Filme com tanto cuidado na construção da atmosfera e na relação dos atores com o espaço que justifica o uso da palavra “experiência estética” para explicar o impacto da sessão. Com mais um grande filme feito, Gray fica ainda mais destacado como o diretor americano do cinema contemporâneo que mais importa, com o qual mais se tem expectativas (sorry Jeff Nichols). O texto de Filipe Furtado na Cinética dá conta de muitos aspectos do filme (clique aqui e leia).

Mês passado, os cinéfilos tiveram a chance de acompanhar o comecinho da carreira de Gray: o Festival de Curtas trouxe alguns filmes de ex-formandos da USC (University of Southern California), entre os quais George Lucas (continuo achando THX espetacular), Zemeckis e, claro, Gray. Caubóis e Anjos é um filme que, quando acaba, você pensa: caramba, como dirige esse cara!

Ainda sobre Homens Brancos Não Sabem Enterrar

No texto sobre o filme publicado na Interlúdio – a propósito, um dos textos que mais me deram prazer ao fazer e que, sem dúvidas, vai estar de alguma forma contido no meu livro sobre Blaxploitation –, eu disse o seguinte: “Qual é a grande narrativa que explica a NBA para além de táticas, invenção da linha dos três pontos, dois ou um pivô, ala de força que chuta de três, um ou dois armadores? O quão negra a NBA está”.

Semana passada, o dono do Atlanta Hawks (uma franquia mediana, cujo equivalente seria um Coritiba) disse que vai vender o time após tornar público uma troca de e-mails que teve com outro executivo. Nela ele mostrava preocupação porque havia uma – diz ele – maioria de negros nas arquibancadas, e que tocava muito hip hop na arena, e que isso afastaria os clientes brancos porque os deixaria assustados.

WOW.

Noutro trecho do mesmo artigo escrevi assim: “O que não muda também é que, à exceção Spike Lee, os filmes continuam sendo feitos tendo em mente um público branco (sim, isso inclui 12 Anos de Escravidão e, numa outra escala, também Django Livre, que apesar de ter um negro como herói, é o branco que lhe dá o ingresso para o palco do heroísmo com roupas, alimentação, conhecimento ). É essa chave que, por trás das piadas em cima dos estereótipos, o flerte com o gênero comédia de amigos, determina a essência e o desfecho de White Men Can’t Jump: um filme feito para o público branco se sentir bem.”

“Não é racismo, ele só está pensando como um homem de negócio”, dizem aqueles que defendem o dono do Hawks. Mas é justamente nessa “preocupação” de “homem de negócio” que reside o racismo institucional da situação: não importa o que esteja acontecendo, a pergunta que sempre deve ser feita é “Brancos, vocês estão se sentindo bem?”.

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