Estética Varlux de Cinema

*originalmente publicado no Cine Marcado como parte integrante da cobertura do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba de 2015

O Festival Varilux é um sucesso, sabemos, e isso é um dado muito interessante: tanto do público do “filme de arte”, que corresponde quase que imediatamente ao chamado para prestigiar o “cinema francês de qualidade”, quanto dos agentes culturais (incluamos aí a imprensa), que embarca na onda de dar publicidade para um conjunto de filmes que é, no geral, mediano e medíocre, comportado, ousado até a página dois, certinho e corretinho, com grandes atrizes (da linhagem de Catherine Deneuve, Isabelle Huppert, Charlotte Rampling). A tradição do cinema francês de qualidade está mais que viva e espalhando boçalidade cinematográfica pelas salas do Reserva Cultural em São Paulo e do Cine Rosa e Silva no Recife.

Mas por que falar do Varilux numa cobertura dedicada ao Olhar de Cinema? Para melhor situar dois filmes de diretores franceses vistos aqui em Curitiba: Mercuriales e Reality, ambos na mostra competitiva. Dois longas que dão alguma esperança de que há alguma coisa no cinema francês contemporâneo que seja menos idiota do que os filmes de Claude Miller e Emmanuelle Bercot.

Mercuriales é um filme de intenso mal estar e que me interessa logo de cara pelo seu desejo de falar sobre uma França não branca. Não chega a ser negra-árabe-africana como em Rengaine (2012), mas transita pelos espaços suburbanos, onde a cor e a cara das pessoas não é como a daquelas dos filmes de Chistophe Honoré – uma das protagonistas veio da Moldávia, e quantos filmes com pessoas de lá já assistimos? O longa de Virgil Vernier flerta aqui ou ali com uma pegada moderninha-descolada (o jogo visual de objetos luminosos, os diálogos dos deslocados que se encontram), mas felizmente é só um flerte.

Filme de juventude e sobre as (im)possibilidades de agir no e sobre o presente. Paira um ar pesado, uma violência invisível que só se torna perceptível aqui e ali, nas entrelinhas desse desconforto. Em certo momento, o prédio onde uma das garotas morava é destruído por uma escavadora que mais se parece uma encarnação de Godzilla.

O Godzilla destruiu o edifício, levantando uma poeira que borra todo o horizonte, que não nos deixa ver mais que a dois metros de distância. Síntese de todo o incômodo do filme: que tipo de ação o presente demanda? Como ser politicamente efetivo quando não se consegue enxergar os contornos?

Um dia após a sessão não consegui definir, porém, como esse mal estar bateu em mim: se por uma verve crítica que diagnostica o mal estar sem adormecer ou, pelo contrário, se o desconforto é, na verdade, um jeito bastante astuto de se manter anestesiado.

Sobre Reality sabia pouco até ouvir de amigos que Quentin Dupieux já tinha feito um filme tipo hit de turminha de iniciados em cinefilia de gênero chamado Rubber. Pois bem, seu novo filme é uma bobagem – fala-se de um cinegrafista que quer fazer um filme de horror com enredo óbvio, mas que se vê soterrado em uma das diversas camadas de seu pesadelo. Uma bobagem, porém, que caiu como uma luva na sequência de filmes aqui do festival. E mais: uma bobagem que me interessa muito mais do que cinema de bom gosto que se diz sério, respeitável e relevante, mas que jamais sai da zona de conforto.

Guardo simpatias pelo nonsense metalinguístico de Dupieux, piadista com a confecção de “gênios” no cinema, tomando uma outra via em vez dos caminhos de sempre da estética varilux do cinema francês. Não tem o mesmo volume que Símbolo (Shinboru, 2009), de Hitoshi Matsumoto, mas me proporcionou boas risadas no meio de uma maratona de festival.

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