Família Vende Tudo e a comédia arrogante


de Recife*

Será mesmo que o público disposto a pagar os preços salgados dos ingressos de cinema, acrescido de algum combo de pipoca com refrigerante, rejeita qualquer comédia que não seja estrambótica? A questão do “gosto do público”, cuja tentativa de compreensão é sustentada tanto por dados de pesquisa quanto pela chutologia, é pertinente a Família Vende Tudo, exibido no domingo (1º de maio) aqui no Cine PE.

Pornochanchada, Zorra Total e comédia italiana se encontram nesse filme. Uma família pobre que rebola para sobrevier decide vender a filha para um cantor famoso e sair da miséria. Espera aí: rebobine, por favor: decide vender a filha para um cantor. É isso mesmo: como pacote de Trakinas no supermercado, Lindinha é oferecida para o primeiro endinheirado pronto a cair nas armadilhas de uma Maria Chuteira – no caso, uma Maria Violão, já que a vítima é o cantor Ivan Carlos. Sai o ser humano, entra a mercadoria. E está tudo bem, tudo ótimo.

Família Vende Tudo pisa sem dó em todos os seus personagens. Vai até o cotidiano do pobre, trata com arrogância a família do título, faz troça e oferece isso em forma de filme. O evangélico é um babaca com seus cultos risíveis cheio de música; a lésbica é uma dike que quer trepar com a gostosona (e burra) do filme, Luana Piovani; o cantor popular é um brega que precisa ser castigado pela Direção de Arte, disposta a dizer “olha como ele tem mau gosto”; o negro é um potencial bandido, como ilustra a sequência final.

O filme não está disposto a entender seus personagens, mas em utilizá-los como matéria-prima do riso em cima do pré-conceito – e dele não escapa ninguém. A sensação é de que o propósito é tirar sarro de todos eles. E a comédia já provou que não precisa ser arrogante para se dar muito bem com a atmosfera da classe média baixa: basta assistir a dois episódios do longa coletivo 5x Favela – Agora Por Nós Mesmos: Arroz com Feijão e Acende a Luz.

O brega

Durante a sessão aqui no Cine PE, lembrei da minha referência mais recente de cinema que vai a elementos populares (especialmente a música, chamada de brega ou romântica) e conta a história de uma família pobre: Falsa Loura.

Por que não surge a sensação de estranhamento com o filme de Carlos Reichenbach? Por que o correspondente do Ivan Carlos não é risível? Por que a ideia de príncipe encantado de Silmara (Rosane Mulholland) não provoca gargalhadas? Porque Falsa Loura não olha seus personagens de cima para baixo, estão todos no mesmo nível. Porque o filme respeita seus personagens.

Outro exemplo: o documentário Faço de Mim o Que Quero, de Sérgio Oliveira e Petrônio Lorena, que se infiltra na cena brega recifense. As músicas de melodia simples e refrões-chiclete estão lá, assim como as roupas coloridas e coladas dos dançarinos. E por que esse filme não causa estranhamento? Porque também está no mesmo nível do que retrata (tanto que, já na primeira cena, a câmera é encaixada dentro do carrinho do camelô de CDs, ou seja, conotando que estamos todos nesse barco e o filme não vem sacanear um universo com seus códigos próprios. Enquanto Faço de Mim o que Quero nos leva junto na toada, Família Vende Tudo faz troça do mesmo universo.

*O repórter viajou a convite da organização do festival e cobre o Cine PE também para o Cineclick

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