O Calígula de Gore Vidal

Morreu nesta quarta-feira (1º de agosto) Gore Vidal. As manchetes das matérias e obituários têm o identificado como “celebrado escritor”, “expoente de sua geração” e outras generalizações. Além disso aí, Vidal vinha sendo o que poderíamos chamar de Cavaleiro Solitário para Tornar o Mundo Menos Medíocre.

Um exemplo: após os ataques às Torres Gêmeas em 11 de setembro, Vidal apontou o quê de culpa dos Estados Unidos em trazer o terrorismo para dentro de seu território por conta de uma política externa imperialista. Há uma década, isso soou como uma afronta de um antipatriota. Hoje, 2012, qualquer pessoa sensata que não compactue com a leitura do tea party para o momento norte-americano sabe que Vidal foi direto ao ponto.

Para encurtar a história, de sua literatura me parece fundamental Julian (1964), que Vidal escreveu sobre o último dos César não cristão. O que me leva à razão deste post: o controverso filme Calígula, roteiro original de Vidal, uma controvérsia ambulante.

Meio filme pornô, meio filme de arte, é possível dividir a autoria – mesmo que os responsáveis relutem – em três: Vidal (autor do roteiro original), Tinto Brass (o diretor que imprimiu o estilo) e Bob Guccione (o produtor malucão que remontou o filme e inseriu algumas cenas lésbicas).

Calígula, visto hoje, mais de trinta anos depois, quando sequer dá para chamar de cinematográfica a produção pornô atual, seja ela homo ou hétero, é um filme engraçado e absurdamente atrapalhado. Ora um desfile de perversões, ora uma crônica do passado histórico da humanidade.

Apesar de protagonista, Malcolm McDowell se comporta quase como um narrador da luxúria na era da dinastia Júlio-Claudiana de Roma. Melhor: um cronista da sequência de assassinatos de imperadores.

Conhecendo o restante do trabalho de Gore Vidal na literatura ou como ensaísta, talvez seja possível apontar como esta sendo a contribuição dele em Calígula – ao menos na fase inicial: uma formulação das mortes, traições, crueldade e perversões como modus operandi desta fase do Império Romano. Já a parte sanguinolenta pode-se atribuir à Tinto e as surubas e orgias a Guccione – mesmo que muitas delas se encaixem muito bem na textura do filme.

Revendo o filme me ocorreu algo muito louco: não sei se Daniel Oliveira chegou a assistir Calígula antes de compor o seu personagem Santinho em A Festa da Menina Morta. Mas olhando para o longa de Tinto enxergo muito da histeria, uma magreza, uma feminilidade, uma crueldade e uma ternura que me lembram demais o McDowell em Calígula.

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