Quantos eram pra tá?, um filme-gif

por Heitor Augusto

Já se foram onze meses desde a estreia de Quantos eram pra tá? e pouco mais de um ano desde a primeira vez que assisti ao curta de Vinícius Silva. Nesse período a minha relação com o filme tornou-se muito mais prazerosa, tanto que me motivou a finalmente escrever sobre o curta, depois de tanto discuti-lo informalmente.

Que o filme seja uma crônica de uma juventude negra localizável no tempo e no espaço nunca me escapou desde a primeira sessão. Lembro de uma conversa com o Juliano Gomes em que debatemos como o curta nasceu com o potencial de ser revisitado no futuro como um documento sobre onde estávamos nesse intervalo entre o “se é pra tombar, tombei” da Karol Konka e o “Bicha Preta, trá, trá, trá” da Linn da Quebrada.

Ou seja, o que em mim se transformou não é o que eu sei sobre o filme, mas o que eu sinto em relação a ele e como seu frescor acessa meus poros de forma diferente. O que era uma relação de reconhecimento do lugar de um filme na História tornou-se o regozijo típico de quem toca a mesma música no repeat porque conhece todas as inflexões de memória.

Não à toa uso a palavra repeat. Sinto hoje Quantos eram pra tá? como um filme com vocação para cair no Vine, tornar-se GIF ou memes. Sua grande força e limitação está justamente no que ele tem de chiclete. A profundidade típica de conversa de botequim ainda me frustra bastante (e certamente não falo unicamente da cena da praça dos botecos perto da USP, cujo “Foda-se a Dilma e essa porra de impeachment” tornou-se a epítome do que há de menos elaborado no filme).

Todavia passei a extrair prazer da expressividade de uma geração diferente da minha. Das muitas trocas que tive a partir do filme, outra bastante importante foi com a Layla Braz, cuja presença no mundo traz outros atravessamentos de gênero e etários. Lidar de forma humilde e afetuosa aos mais jovens, mantendo-se atento ao risco do rancor e do remorso, é sempre um desafio entre os pretos mais velhos, sejam os muito mais velhos ou os não tão jovens.

Fosse realizado nos Estados Unidos, país cujo processo histórico torna natural que qualquer coisa seja transformada em conteúdo – uma entrevista assim vira a música pop do ano –, pedaços do Quantos eram pra tá? teriam viralizado.

QEPT-esquerda branca

QEPT-mulher negra

QEPT-palmitagem

QEPT-solidao

Meu momento favorito do filme, à exceção dos créditos de encerramento:

QEPT-escola

QEPT-deu ruim

Para terminar, Djonga. Foi Vinícius quem me apresentou ao ladrão do rap quando ele ainda queria ser Deus. Toca-se Corra numa sequência chave no filme: quando Quantos eram pra tá? desavergonhadamente assume que é não só uma crônica, mas um tributo a essa juventude negra que chegou à idade adulta no finalzinho ou no pós lulo-petismo. As imagens de Luís ao banho, Dandara nos gramados da USP ou de Vinícius com Breno na cozinha poderiam tranquilamente ser adaptadas a um videoclipe da canção de Djonga.

Dia desses falava com um amigo justamente sobre a cena catártica que se cria nos shows de Djonga no momento de entoar “Fogo nos racistas”. Assim, não me parece acidente que:

“Eram pra tá” do Sant apresenta a imagem-tema do filme; “Corra”, a imagem-troféu; “Bitch Better Have My Money”, da Rihanna, a imagem-síntese.

QEPT-BBHMM

Epílogo: recomendo uma vista do filme prestando atenção exclusivamente à montagem e à concatenação entre as sequências. Constrói-se muito discurso de um corte para o outro.

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