Sim, alguns filmes recentes têm jogado sucessivas pás de cal sobre a divisão entre ficção e documentário. A título de ilustração, definições do Dicionário Aurélio:
– ficção: “ato ou efeito de fingir”; “coisa imaginária, fantasia, invenção, criação”.
– documentário: “relativo a documentos”, “que tem o valor de documento”.
Algumas questões:
1) O Bope existe, o saco na cabeça existe, a visita do papa existe, a matança existe. Tropa de Elite é totalmente ficcional?
2) Iraq in Fragments, de James Longley, pega a história particular de uma criança nascida no país, invadido pelos Estados Unidos, e coloca sua trajetória no contexto de invasão. É documentário?
3) Jia Zhang-ke mostrou ontem (17/05) em Cannes, seu novo filme, 24 City. Traz a história de uma região que abrigou por 50 anos a fábrica estatal de armamentos da China. Agora, o lugar abriga um condomínio de luxo. É ficção?
4) Em Jogo de Cena, Eduardo Coutinho conta duas vezes as mesmas histórias: por meio de uma atriz e por meio de quem vivenciou a história. No filme, algumas atrizes se dão melhor que a própria pessoa que viveu aquilo; algumas atrizes, também, sofrem em interpretar trechos de acontecimentos. É documentário?
5) Walter Salles e Daniela Thomas mostraram ontem (17/05) em Cannes Linha de Passe, terceiro filme da dupla. O núcleo do filme é uma família composta por uma mãe que trabalha como empregada doméstica. Dos quatro filhos, um quer ser jogador de futebol; outro é motoboy e precisa pagar a moto; outro é frentista e fervorosamente crente na Igreja Evangélica; o caçula busca incessantemente o pai. Isso é ficção?
6) Michael Moore, em Fahreinheit, Tiros em Columbine e Sicko manipula as informações que obtém. É documentário?
Em tempo: Leonardo Sette, diretor do curta-metragem Ocidente, exibido em festivais como É Tudo Verdade e Cine PE, levanta a mesma questão. E vai além com algumas questões. Leia aqui.