Existe um movimento comum de fuga do presente e um saudosismo com um passado inocentemente associado à infância ou a uma ilusão de que “quando tudo era bom”. Desse sentimento surgem filmes-homenagens de um tempo que não volta – do qual Super 8, o melhor blockbuster americano do ano, é o principal exemplo. Se fosse só isso, estaríamos bem. Existe mais um desdobramento que considero daninho: uma negação de se posicionar como sujeito na produção contemporânea, em qualquer das artes, e como ela reflete nossos valores.
Porém, contrapor algo bom do passado que, devido ao estado das coisas do presente, será difícil acontecer é um movimento válido justamente para se olhar com perspectiva crítica o hoje. Falo disso para chegar à mostra Clint Eastwood – Clássico e Implacável, que o Centro Cultural Banco do Brasil abriga em São Paulo até 30 de dezembro [programação completa aqui].
No extenso escopo da mostra, cuja curadoria é de Gisella Cardoso, puxo um exemplo de Clint como ator, mas que também seria reverberado no Clint diretor. Falo do investigador Harry Callahan, o Dirty Harry, típico exemplo de justiceiro, na primeira produção da franquia, de 1971, no Brasil lançada como Perseguidor Implacável.
A cultura pop tem o poder de esvaziar o que há de crítica em personagens do cinema. As novas gerações que acompanharam Diry Harry com uma certa distância ou se acostumando a encontrar o policial com sua Magnum 44, cara de malvado, em fotos do Google Image ou estampa de camiseta pode não ter percebido que existe ali um herói dividido, com problemas e consciente de como tudo vai mal.
Perseguidor Implacável não é um filme cool como por vezes é vendido, mas sim pessimista. Duro. Melancólico. Sim, tudo “dá certo” no final, mas o preço que Harry, o justiceiro solitário em sua meio às avessas por justiça, é altíssimo: ele mergulha numa lama que não mais conseguirá sair. É isso o que diz o gesto dele de, após fazer o que devia ser feito, jogar o distintivo de investigador da Polícia de San Francisco no rio.
Num momento do filme, ele conversa com a esposa de seu parceiro de polícia ferido, Chico. Ela o questiona por que não larga a corporação, ao que Harry rseponde “não sei”. Ele pode não saber, mas nós sabemos: Harry já está mais pra lá do que pra cá, o dano já foi feito.
Porém, tenho a sensação de que existe um costume de colocar Dirty Harry e Stallone Cobra no mesmo balaio. Erro fatal. É preciso continuar pontuando que eles não são a mesma coisa, ao menos o Harry Callahan do primeiro filme. Mas a cultura pop esvazia e vende apenas os bordões, sejam um “pede pra sair!” do Capitão Nascimento ou um “Go ahead, make my day” de Harry Callahan.
Esse final de perseguidor implacável é um exemplo do quão especial foi o começo dos anos 1970 em Hollywood. Num momento em que um modelo de negócios (os grandes estúdios que controlavam a cadeia da produção à exibição até os anos 1950) enfraquece, uma nova geração, aquela conhecida como Nova Hollywood (Scorsese, Coppola, Ashby, Polanski etc) entra por um buraco que é aproveitado por outros filmes.
Claro que não coloco Perseguidor Implacável no mesmo nível de um Táxi Driver, não é isso, mas sim apontar, sem saudosismo, mas com observação crítica, que aquele momento do cinema norte-americano permitiu o surgimento de filmes que talvez não existiriam antes.
Hoje, certamente não existem. Qual é a chance de, com os orçamentos monstruosos, verbas absurdas de publicidade e estúdios controlados por business men, surgirem filmes como Perseguidor Implacável dentro da produção de uma indústria? Qual é a chance de num filme policial com várias sequências de aventura e perseguição de ter a quantidade de planos maravilhosos do longa de Don Siegel – especialmente os com zoom ou a cena do Kezar Stadium – ou até mesmo o pessimismo da sequência final?
As chances são poucas.