Drive é um filme que permite um diálogo entre Francis Ford Coppola, Brian De Palma e Abel Ferrara. Tem-se neste que é o filme mais vigoroso e pulsante lançado (com muito atraso) no Brasil até este mês de março o trabalho de composição de O Poderoso Chefão, a violência sem volta de Scarface e o mergulho na podridão de um Vício Frenético.
Mas este filme do dinamarquês Nicolas Winding Refn que muito antes de estrear no circuito brasileiro já ganhou status de cult, seja pelas exibições no Festival do Rio ou pelos compartilhamentos e fóruns da internet, é uma fábula macabra sobre Los Angeles. E isso dá cores um pouco diferentes dos seus colegas que falaram da podridão na Flórida ou em Nova York.
Faltou chamar para o diálogo outro filme: Chinatown, de Polanski, este sim um comentário sobre as bases corruptas e o histórico de crimes e ameaças que está no solo (literalmente) de Los Angeles.
Pronto, é com esses quatro filmes que vejo Drive estabelecendo pontes – apesar de, na entrevista a amigo Paulo Gadioli publicada na Rolling Stone, o compositor Cliff Martinez afirmar que O Massacre da Serra Elétrica foi uma das referências de Winding Refn.
A produção que o dinamarquês fez nos Estados Unidos, mas que passou (injustamente) ao largo do Oscar, numa clara demonstração do “humor” da Academia e do que se pretende manter ignorado à margem, é um filme de herói violento que se parece um OVNI no panorama do que se faz hoje em termos de filmes sobre a máfia ou centrado num personagem justiceiro.
A relação com o tempo narrativo é um tanto sinfônica neste filme. “Nada acontece”. Na verdade, tudo acontece. Prepara-se o terreno e ambienta-se o espectador no que está por vir. Só que num contexto de audiências ávidas por acontecimentos e eventos, Drive é tido como um filme lento, em que muita gente vai sair falando que é “chato, mas a fotografia é linda”.
(Parênteses: não deixa de impressionar como a velocidade e o desempenho autômato tornou-se uma quimera em cada pequeno espaço das nossas vidas, inclusive no futebol. Jogadores que cadenciam e que constroem com vagar uma jogada invariavelmente ganham a pecha de “desligados” ou “atrasam o time”. Parece não haver mais tempo para um ritmo que não a da velocidade limite, seja na narrativa cinematográfica, no futebol ou até mesmo no trânsito de São Paulo, que acaba de vitimar mais um ciclista em nome da “fluidez” ditada pelo automóvel, o corpo-máquina. Fecha parênteses).
Mas Drive é mesmo um filme de herói em conflito construído com um apuro ímpar pela beleza dos planos. Porque o Driver que Ryan Gosling performa é uma espécie de John Rambo atirado num filme que glorifica uma das bases da linguagem do cinema: a relação de tempo e espaço. O herói tem de voltar, contra a própria vontade, à era da escuridão e revisitar um passado que não mais lhe interessa. Não será mais possível cumprir o que diz no começo do filme: “Eu não entro no jogo enquanto você estiver roubando. Eu não levo arma comigo. Eu dirijo”.
E como qualquer herói de um filme que não busca a conciliação, há o sacrifício. O que torna a música de encerramento dos créditos de uma precisão absurda. Diz a letra: “Real human being, and a real hero”.
Não dava para ser de outro jeito.
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