Sobre quando os filmes de Stephen Frears interessavam

O plano que abre Prick up Your Ears, em que Alfred Molina pergunta, no meio de uma escuridão, “Joe? John?”, é mais interessante do que qualquer outro que Stephen Frears fez desde o oscarizado A Rainha.

A relação é inversamente proporcional: quanto mais anos se passam, menos interessantes ficam os filmes de Frears. Se ainda existe expectativa em quem está descobrindo um Frears dos anos 80 em ver o que virá na sequência, o mesmo não se pode dizer da produção contemporânea do britânico.

É verdade, seus filmes ainda são bons – A Rainha, Chéri – apesar de alguns desastres no caminho – Coisas Belas e Sujas. O que está em jogo não é “bom” ou “ruim”, mas o que gera interesse, filmes sobre os quais se sente vontade de falar.

Tenho dúvidas de que Frears vai conseguir repetir o tesão de seus longas feitos entre 1984 e 1990. Um dos que me agradam bastante é justamente Prick up Your Ears, mas entram também na lista The Hit (84), Minha Adorável Lavanderia, Ligações Perigosas (88) e Os imorais (90).

Nos filmes mais novos de Frears faltam um pouco daquela inteligência na decupagem, da sensibilidade de deixar a carga dramática da cena determinar a decupagem. Casos de quando entra um terceiro elemento na relação de Joe e Kenneth, ou na cena da morte (com inspirações fortes do expressionismo) ou na da orgia no banheiro.

Prick up Your Ears surge da biografia que John Lahr escreveu de Joe Orton, promissor escritor e dramaturgo britânico assassinado a marteladas pelo namorado Kenneth Halliwell em 1967. Orton estava preparando um roteiro para os Beatles naquele momento. Kenneth, o supostamente mentor de Joe não aguentou viver nas sombras quando o sucesso alcançou o parceiro.

Alfred Molina no papel de Kenneth — ou aquele que não sabia que não tinha talento

Há algo desses dois personagens e mais o de Peggy – que abriu as portas para o trabalho de Orton como dramaturgo – que os tornam mais fascinantes do que os que recentemente Frears apresentou. Amor, paixão, inveja, sucesso, psicose, repressão, crônica policial e social… Diante desse material Frears consegue brincar entre o drama, o melodrama e a comédia. Há o auxílio também do roteiro e especialmente da montagem neste filme.

Mas não é só pelas histórias que tornam os filmes de antes mais instigantes que os de hoje. Há algo de direção nisso. Exemplo: a cena que parece uma réplica picante de uma chanchada da Atlântida, quando Joe e Kenneth transam pela primeira vez – durante a coroação de Elizabeth II como rainha. Uma cena divertida de trocadilhos.

Assim como as nuances entre os casais que perpassam o filme, a disputa feminino/masculino, a veia psicótica do assassino…

Vendo esse Prick up Your Ears fica a sensação de que Frears não fará mais filmes tão interessantes como esses de meados da década de 80.

PS: no lançamento do DVD de The Hit pela Criterion, publicou-se um ensaio bom e necessário para contextualizar o momento da produção britânica quando Frears passa a fazer longas para cinema. Clique aqui e leia.

Textos relacionados:
Minha Adorável Lavanderia (ou um olhar sobre os anos 1980)

Cheri – Crítica
Cheri – Análise da trilha sonora de Alexandre Desplat

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