Uma quantidade significativa de títulos de matérias e críticas publicadas ao longo da última semana sobre O Som ao Redor ressaltam que o filme é uma crônica de um estado de coisas construído na última década, que vai desde o aparecimento de uma nova classe média ao alastramento da cultura do medo.
O filme é isso mesmo, apesar de não recorrer à verborragia: a radiografia do Brasil pós-Peões – aliás, é um delicioso déja vu assistir ao filme do Coutinho dez anos depois de sua feitura.
Ressaltar o que O Som ao Redor tem de raio-X é uma maneira de atribuir-lhe importância, nobreza. Resumir o filme a esse caráter, porém, é deixar escapar muitas de suas outras dimensões. Vou falar apenas sobre uma neste post: o fato de o longa de Kleber Mendonça Filho ser imensamente divertido de se assistir.
“Divertido”, quando se trata de um filme sério, com aspirações maiores, parece até um demérito. Tal clichê não se encaixa aqui. É agradável e divertido de se assistir por deixar algumas portas abertas com elementos pop, daqueles que grudam como refrão de música de Michael Jackson.
Ou vão dizer que aquele antológico diálogo da cena de condomínio – “O problema é que eu tenho recebido a minha Veja fora do plástico” – já não nasceu clássico? Uma frase como essas poderiam facilmente estar num tumblr como o Classe Média Sofre, uma reunião virtual de pérolas da escrotidão virtual e de “dilemas” desse sofredor estrato social – coisas como “OMG, duas horas no aeroporto esperando para embarcar para Paris. Boooring!”.
Poderia enumerar um bocado de momentos de humor pop como esse – a personagem de Maeve Jenkings fumando maconha e expirando a fumaça dentro do aspirador de pó. Mas não vou estragar a surpresa de um filme que acabou de estrear.
Ao lado do quesito de ser um filme de cinema, questão que claramente é importante a Mendonça Filho, existe o fato de ser uma experiência divertida assistir a O Som ao Redor. Nesse aspecto, tal filme se junta a outro: A Cidade é uma Só?, de Adirley Queirós [o blog já falou sobre ele nesse post aqui].
Queirós fez um filme sobre um episódio de profunda violência: a expulsão de uma fatia pobre de Brasília e a invenção da cidade de Ceilândia, desdobramento da Campanha para a Erradicação de Invasões. Tal como o trabalho de Mendonça Filho, um filme nobre, mas também divertido e, muitas vezes, pop.
Tal como o diálogo da revista fora do plástico, o jingle de Dildu – “Vamo votá, votá legal: 77223 pra Distrital, DILDÚ!” – já nasce clássico. Gruda como chiclete e ilustra com perfeição o esforço do personagem em encontrar uma linguagem política que se comunique com quem é da periferia.
O Som ao Redor e A Cidade é uma Só? são dois vívidos exemplos de cinema político. Mas não podemos perder de vista que são filmes bastante divertidos. Reconhecer isso não é colocá-los um degrau abaixo, mas sim um acima.
Em tempo: a frase que ilustra o título deste post é um trecho da sinopse do filme de Adirley Queirós.
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Querido Heitor, O som ao redor é realmente um filme que se destaca entre os brasileiros, mas ele chegou gritando e isso incomoda. Ver críticos inteligentes como você ficando emocionados e esperançosos com o cinema nacional por causa de um filme como esse é bem coisa de Reveillon e dieta de segunda-feira.E argumentos do tipo: "NY Times elegeu como um dos melhores filmes de 2012". Isso não passa de lobismo da publicidade no cinema brasileiro, que está ganhando interesse internacional para conquistar a credibilidade de pseudo-cults, esses mesmos que esperam 2 horas no aeroporto de Paris e acham tudo boring.E ah, se a Veja está fora do plástico é por causa da sustentabilidade, viu?