Doce Amianto, de Guto Parente e Uirá dos Reis |
Ir a um universo de signos fortes e sair de lá com um filme que seja seu, que caminhe sem a necessidade de se reconhecer de onde vem cada momento, cada personagem, cada atmosfera. No segundo dia da Mostra de Tiradentes dois longas fazem esse momento de ir e voltar (ou tentar) com algo próprio.
Doce Amianto é o que consegue. Uirá dos Reis e Guto Parente fizeram um desses filmes que você não sabe muito bem em qual posição da cadeira deve se sentar para se relacionar com ele. Não só pelo exagero deliberado em cada componente do filme, que fazem o kitch de Almodóvar parecer um cálculo cinematográfico que esteriliza o desconforto, mas pela própria força de embate, pela frontalidade em se posicionar, pelo crença desmedida no que está no plano – esta, uma percepção subjetiva difícil de traduzir para quem não assistiu ao filme –, além da própria estrutura de boneca russa, de filmes dentro do filme.
Vê-se um traço muito forte de João Pedro Rodrigues, especialmente o de Morrer como um Homem, em Doce Amianto. Há uma conversa entre a cena do café da manhã na floresta e a cena do chá das travestis ricaças no longa de Rodrigues. Ou a cena do fado e a fantasia de morte de Amianto. Dá para enxergar Fassbinder na cena do encontro no bar, cujo rosto do personagem me levou diretamente a O Direito do Mais Forte é a Liberdade.
Mas Doce Amianto vai ao universo simbólico de tais filmes – e a outros que possivelmente deixei passar despercebido – para voltar com algo próprio – o tratamento da canastrice ou da narrativa de fantasia, por exemplo. A jornada da personagem Amianto, que passa o filme inteiro vivendo um sonho de centro, de inclusão, mas que finalmente decide dar uma banana e viver a felicidade própria como dá, sem pedir licença – o enquadramento corajoso da cena de sexo reforça isso –, é muito prazerosa de seguir e transpira muita firmeza nas enunciações do filme.
A Balada do Provisório, de Felipe David Rodrigues |
Por outro lado, A Balada do Provisório também vai a um lugar já demarcado, mas volta com menos coisas interessantes. Temos no anti-herói André Provisório um novo respiro do malandro carioca que não esconde suas pretensões sacanas, dentro de um filme com bem-vindas piadas a uma cena cultural cheia de tipos – a bonitinha do teatro “experimental”, maconheiro que só gosta de vinis etc.
Nos bons momentos senti que Provisório era uma Angela Carne e Osso, a incontrolável devoradora em A Mulher de Todos, só que de calças. O filme começa bem, especialmente na apresentação do personagem. Aos poucos, porém, torna-se repetitivo. A piada perde a graça, a sátira perde a força de provocação e a paciência com as desventuras de Provisório vai embora.
Com o tempo, só resta a risada vazia e autômata em acessar o lugar simbólico de onde vem os personagens, pois o filme vai, vai, vai, mas não chega.