Uma pena que Mataram meu Irmão tenha voado dos cinemas – na verdade, passou durante uma semana em sessão única às 17h no CineSesc. Pois num momento em que o que chega aos cinemas é uma quantidade assustadora de filmes que somem na primeira ida ao banheiro, Mataram meu irmão tem peso.
Peso este que se estabelece já desde o começo. O filme abre com uma extensa conversa de telefônica, mas só enxergamos uma tela preta. Um homem quer saber como visitar o corpo do irmão, cujos restos foram transferidos para uma vala comum. A mulher, do outro lado da linha, responde com os tiques de burocracia comum a qualquer balcão de informação.
Quando surge o primeiro plano de fato (faróis de carros visto em desfoque numa câmera subjetiva, emulando o embaralhamento do horizonte de quem narra o filme – o próprio diretor), o filme já tem peso, seja no sentido da física (força que age sobre um corpo – no caso, o do espectador, que sentirá o filme nas costas) ou como relevância, uma qualidade que justifica ser assistido.
Mataram meu Irmão poderia ser um desastre. Porque é uma história trágica. Porque o realizador, Cristiano Burlan, está imerso no desenrolar dos fatos. Porque foi filmado em períodos distintos. Felizmente, o filme se sustenta. Ainda que se possa apontar senões, as ressalvas não fazem o filme desmoronar. Ele segue firme.
Quem é Rafael, o irmão morto? Responder a essa pergunta orienta o filme. Não de forma a sufoca-lo, obriga-lo a construir um discurso totalizante e definitivo sobre Rafael. Pelo contrário. Entrevistas com família próxima, família distante, família agregada. Somam-se contradições, o que é riquíssimo: um irmão diz que ele quis ser machão, a viúva defende sua honestidade, a tia relembra como ele era carinhoso, o outro irmão diz que o problema foi se meter com um primo doido. Mataram meu Irmão é uma espécie de Rashomon documental.
Nessa apresentação de pontos de vistas distintos surge, com força, uma narrativa do que é viver numa periferia de São Paulo. Ao negar ao espectador a obrigação do “quem-quando-como-onde-por quê”, Mataram meu irmão dá vida, carne e sangue a uma história anônima dessas que povoam diariamente um Cidade Alerta e seus equivalentes. Sensação que se intensifica na maneira que o filme está circunscrito: abre-se com a voz fria do Estado/instituição; fecha-se com as fotos frias do Estado/instituição.
Por um lado é sim possível assumir o desfecho da vida de Rafael como o desfecho de vida de muito jovem de periferia – basta olhá-los para além do recorte de jornal que ganham nuances. Por outro, não seria buscar a generalização de Mataram meu Irmão como retrato da periferia um equívoco que justamente reproduz um olhar totalizante e cego e deixa passar nuances?
Nesse relato sobre quem foi Rafael, só me recordo de uma canção de Sabotage, Zona Sul:
“Na Zona Sul, cotidiano difícil. Mantenha o proceder; quem não conter, tá fudido”.