Descubro por meio de amigos e colegas no Facebook que o UOL publicou as imagens das decapitações da penitenciária do Complexo das Pedrinhas, em São Luís do Maranhão. Não apenas publicou, mas fez chamadas de destaque na home page.
Me parece que algo na nossa sociedade está pra lá de comprometido quando um veículo jornalístico acha publicável, ao acesso de qualquer um, a barbárie. Melhor: contabilizar, por meio de clique e page views, em cima da barbárie.
Infelizmente, a crítica não se restringe ao UOL. Não sei se outros veículos republicaram as fotos de Maranhão, mas não faltam exemplos nos últimos anos de publicações gradualmente ultrapassando linhas éticas para potencializar audiência. Na televisão isso é moeda corrente e na internet também tem se acentuado com a busca desenfreada pelos cliques.
Também me parece uma loucura que estejamos nos concentrando na perplexidade do que está nas pontas – cabeças cortadas e tortura de presos – e perdendo a possibilidade de olhar para o todo – o que é e a quem serve o sistema prisional brasileiro?
Vale pensar também na outra ponta da comunicação, o público, em quem clica, por que clica. Por que temos a necessidade feroz da imagem da violência? Por que nos dizemos indignados com o que os presos fizeram, mas ainda assim precisamos clicar, precisamos ver, precisamos consumir a desumanidade?
Questão que inevitavelmente leva a O Som ao Redor. Quando trabalhei o filme em aula com os alunos do curso Panorama do Cinema Brasileiro, em dezembro no CineSesc, tentei fazê-los atentar a duas passagens que, agora, chegam para indiretamente ilustrar essa pergunta – o consumo da imagem desumana.
Primeiro trecho: Clodoaldo, o segurança interpretado por Irandhir Santos, chama os outros parceiros de ronda para ver o vídeo daquele outro segurança assassinado. Os três miram o celular. Olhos abertos. Eles veem o que nós não vemos – não há contraplano da barbárie. Um deles sai ao fim do vídeo. Clodoaldo se vira para o outro e lembra: “dá pra ver em câmera lenta”.
Segundo trecho: a reunião de condomínio, na qual se faz a famigerada piada da Veja fora do plástico e quando João mostra que não é nada mais que um radical, jamais largará suas prioridades para defender efetivamente o porteiro dorminhoco.
O paspalho da reunião, o tecnocrata que me escapa o nome agora, diz que é preciso ser duro com o porteiro. E para provar seu ponto o que ele faz? Filma e mostra um vídeo do porteiro dormindo. Com o vídeo, pensa-se, tem-se a confirmação da realidade – como se os outros moradores já não tivessem visto o porteiro dormir zilhões de vezes.
Apesar de o registro do porteiro dorminhoco não ser a imagem da barbárie, uma cena complementa a outra. O vício do consumo à imagem é tão grande – ir a um show e não conseguir parar de fotografar – que até mesmo a da barbárie é “só mais uma imagem” – no sentido de que a consumimos só para “provar” a existência de seu conteúdo.
Jornalismo doente esse que publica as fotos, que faz manchetes e chamadas, mas fecha os olhos para o contexto. Sociedade doente essa que precisa consumir a imagem da barbárie só para dizer depois “que absurdo”.