“Balada de um Homem Comum” diz o subtítulo de Inside Llewyn Davis. Não me parece que Llewyn seja um homem comum. Um cara que toca e canta tão bem quanto um Jim Croce jamais será comum. Comum porque jamais alcançará o mesmo reconhecimento daquele fanho narigudo que aparece de relance e quando abre a boca sabemos ser Bob Dylan?
Digamos que Llewyn tenha sido relegado ao lugar de homem comum, ainda que não o seja. Pois de todos os músicos que aparecem ao longo do filme ele é o único a fazer uma música realmente boa e com força de permanência. O restante ou é ruim ou faz música descartável (a propósito: a presença de Justin Timberlake como hitmaker cantando aquele desastre chamado Please Mr Kennedy é uma ótima piada interna. Timberlake como o contraponto do cara que conseguiu, Llewyn como o que ficará nas sombras).
Bem, Llewyn não é comum e joga com isso. Como o filme não decide fazer dele um herói, vemos detalhadamente como Llwen abusa da simpatia alheia que lhe é dispensada pelos Gorfein como se dispensa a um gato de rua que damos leite, com pena. Justamente por não ser comum, acha que tem licença para ser escroto (a gravidez indesejada, a sabotagem da apresentação da velha do Arkansas etc). Reconheçamos: Llewyn é um adorável explorador. E que bom que o filme permita essa leitura ao invés de soterrá-la.
A segunda coisa interessante de Inside Llewyn Davis: trata-se de um não-filme. Nenhum daqueles eventos que assistimos ( ida a Chicago, encontro bizarro com um viciado em heroína, atropelamento do cachorro, sova nos fundos do bar etc) aconteceu. Já que o filme faz questão de indiretamente chamar Llewyn de Ulisses – o que nos leva automaticamente à jornada do herói de Homero –, e por todos os elementos de dúvida nos quais os irmãos Coen investiram, vejo o filme como uma ida do personagem ao próprio eu. A despeito dos supostos eventos exteriores e de um suposto contato do personagem com o mundo, trata-se de um filme que se passa inteiramente no peito de Llewyn. Não à toa, Inside Llewyn Davis.
Justamente por colocar em cheque o próprio arquétipo do filme – história de aprendizado em que um personagem começa X e termina Y, aprendendo algo ao final – é que o filme se torna bacana. Llewyn faz sua jornada, mas arrisco dizer que ele não aprendeu muita coisa no caminho. Nos comovemos, porém, com a sua sinceridade visceral, até mesmo ao machucar o outro.
PS: agradeço aos amigos Julio e Suza, que numa discussão de fim de noite me fizeram perceber a necessidade da revisão do filme e a fraqueza dos meus argumentos iniciais do que não tinha gostado do filme, puxando de memória a primeira sessão em outubro.