Por que demorei quase dez anos para finalmente assistir a Dália Negra, filme espetacular de Brian De Palma?!
Investigando as memórias (o filme é de 2006, quando estava no processo de uma cinefilia mais qualificada), lembro que duas informações me pegaram: o filme fora um fracasso de crítica e de bilheteria.
Pergunto, hoje: como a crítica (OK, existe um alto grau de generalização em “A” crítica) ignorou esse filme? Como é possível desprezar um filme que a engenharia daquele plano em que se descobre o corpo mutilado de Elizabeth Short à beira da estrada? Como se pode menosprezar um filme como esse, em que a discussão sobre aparências e imagem é tão interessante?
Resgatei algumas críticas da época. De quem não gostou, a reclamação é comum: o roteiro é confuso. Bem, me parece um problema de princípio: estamos falando de um crime (real) que até hoje permanece em aberto e que incentivou um sem número de versões. Como cobrar uma relação causa/efeito, pergunta/resposta para um emaranhado como esse da enigmática aspirante a atriz morta em condições piores do que um boi num matadouro?
Por que cobramos respostas? Por que não aceitar o emaranhado? Sinceramente, achei um barato perceber que em vários momentos do filme eu não estava entendendo bulhufas. Se a história é contada sob o ponto de vista do detetive que por vezes segue pistas falsas, qual o problema de assumirmos também esse ponto de vista da indefinição?
Há também outro componente quando um filme de Brian De Palma entra na jogada: estamos assistindo um filme que está sempre dentro do cinema. Traduzindo: as cenas de seus filmes parecem sempre falar sobre outros filmes, continuá-los de alguma maneira, ligando-se ao passado, mas atento ao presente. Não se trata necessariamente de citações, não é isso. De Palma faz filmes que parecem terem sidos banhados numa poção chamada Cinema antes de virem ao mundo e chegarem a nós.
Dália Negra é uma homenagem ao noir, ao mesmo tempo que não é uma homenagem ao noir (por acaso o noir precisa lá ser homenageado?). Dália Negra é um legítimo noir, mas ao mesmo tempo consciente de que o gênero surgiu e existiu num momento específico (pós-guerra), ou seja, não adianta “brincar de fazer um noir” depois que cinema já declarou-se moderno.
Como se Dália Negra fizesse para o noir o que Peckinpah fez com o western em Meu ódio será sua herança: continuou uma tradição, mas a partir dos paradigmas do cinema moderno.
Como ignorar um filme que está embuído de tanto cinema?