Chego um pouco tarde, já que o Indie – Mostra de Cinema Mundial acaba, em São Paulo, nesta quinta-feira (29/9). Mesmo assim, não vou deixar de comentar um filme que a mostra trouxe, contando com o tesão dos leitores em buscar online o longa-metragem Flores do Mal (Fleurs du Mal).
É o primeiro filme que me agrada, de fato, na tentativa de incorporar a internet, as redes sociais e o compartilhamento na dramaturgia. Temos a história de uma jovem iraniana de 20 anos que é mandada a Paris pelos pais para fugir do perigo dos protestos. No hall do hotel, conhece Gecko, um rapaz que lá trabalha, e inicia uma amizade que, por ventura, pode se tornar algo mais.
Mas não é um filme sobre o amor, apesar de ele estar presente em sua forma mais bela (o companheirismo) e destrutiva (o ódio). Flores do Mal é um sintoma de pessoas cujo encontro é possível por conta de ferramentas virtuais. Também não decorre daí um discurso positivo e propagandístico de mundo conectado ou outros lugares-comuns que se recusam a reconhecer os estragos que a virtualidade também traz às relações humanas.
Anahita integra a elite intelectual de Teerã que, em 2009, foi às ruas, protestou e pediu o fim da era Ahmadinejad. A onda verde que terminou com a perpetuação dele no poder, muitas prisões, mais censura e repressão. Gecko é um tipo libertário meio perdido na vida que só consegue se expressar pela dança de rua, tentando interagir com a cidade e procurar nela o que há de seu.
Dois personagens muito interessantes, cujas histórias e segredos compartilhamos ao longo do filme. Mas gostaria de voltar à tecnologia. Enquanto está em Paris, Anahita acompanha pela internet o desenrolar dos protestos. Amigos seus estão na linha de frente por mudanças. O sangue das vítimas da polícia truculenta tomam de assalto a tela. Ela não tem certeza de sua coragem para a ação política.
Pelo YouTube, Anahita vê o que se passa. Pelo Twitter, busca notícias de seus amigos e os locais dos próximos protestos. Pelo Facebook, reencontra Rachid depois de um desencontro inicial.
É interessante e inteligente a maneira em que David Dusa consegue integrar as tais mídias sociais e a virtualidade no filme. Flores do Mal não seria tão instigante se não fosse por esse gesto. Enfatizo: não se trata de um filme de tese ou de uma propaganda travestida por um discurso fofinho, mas sim de colocar como esses dois interessantes personagens estão imbuídos desses modos de comunicação e articulação política.
Digamos que entre o discurso “quero ser engraçadinho” de Medianeiras e a constatação de como o Facebook foi uma ferramenta efetiva nos recentes protestos no Egito, Flores do Mal esteja mais perto da verdade do segundo.
É uma pena, porém, que o filme seja irregular e não consiga acompanhar, como cinema, a força de seus personagens. Por vezes, há um descompasso entre o que eles fazem e como se colocam corporalmente e o que a câmera consegue captar. Mas não deixa de ser interessante ver Rachid fazendo sua dança no meio da rua, metrô e museus, brincando de anarquia enquanto a verdadeira anarquia está a milhares de quilômetros dele, no Irã.
A descrição do filme no site do Indie é precisa: “uma moderna história de amor”. Não moderninha.
O trailer de Flores do Mal (Fleurs du Mal) está abaixo (garanto que o filme é mais interessante do que indicam as imagens):