Em abril deste ano, o É Tudo Verdade, maior festival internacional de documentários da América Latina, trouxe para o Brasil Marina Goldovskaya, realizadora russa que começou nos anos 1960 como fotógrafa de televisão, mas que desde os anos 80 tornou-se peça-chave na reflexão sobre os caminhos da então União Soviética e, num momento posterior, o surgimento de um novo país, a Rússia, e suas contradições.
Tive o prazer de conversar por 45 minutos com ela, uma senhora genuinamente preocupada em falar sobre os grandes temas, sendo a Liberdade o principal deles. Marina registrou as aspirações de pessoas comuns e com isso colocou-se numa privilegiada posição de observadora: com sua câmera de vídeo, liberdade possibilitada pelo desenvolvimento tecnológico, foi às ruas no início dos anos 90 para sentir o que a população russa esperava dos novos ventos.
Viu e registrou a euforia da liberdade em O Gosto da Liberdade (1991) e as esperanças de O Espelho Estilhaçado (1992). Mas Marina não parou de posicionar sua câmera nos lugares certos, resultando em filmes que passaram a confrontar a complexidade da Rússia pós-União Soviética, como em A Sorte de Nascer na Rússia (1994).
Mais recentemente, o cinema de Marina percebeu, com sensibilidade, o fracasso da Perestroika e a tentativa de estabelecer processos democráticos. No ultrapessimista O Gosto Amargo da Liberdade (2010), contou a trajetória da Anna Politkovskaya, jornalista assassinada em 2006 por cobrir a violência do governo russo contra a população da Chechênia. A única repórter a se posicionar abertamente contra os desmandos Vladimir Putin.
No finalzinho da entrevista, perguntei para Marina o que ela esperava do futuro russo. “Em 1991, eu via manifestações e chorava porque sentia que todos nós estávamos juntos, felizes e finalmente nos tornando uma nação lutando por liberdade. Hoje somos uma nação dividida entre os querem e democracia e os que não”.
Haja perspicácia! Há uma semana, Putin anunciou que voltará à presidência da Rússia, posto do qual havia oficialmente se retirado em 2008, e terá direito a se reeleger por dois mandatos. Ou seja, se nenhuma crise política o abalar, pode permanecer no comando até 2024.
Em artigo para o The New York Times, Ellen Barry, diagnostica o seguinte: “Dada sua aparência numa roupa de mergulhador no último verão, Putin não demonstra estar em declínio físico, além de que os russos não parecem muito interessados em ocupar as ruas com protestos exigindo mudança. As elites esclarecidas, que constituem o grupo mais insatisfeito com Putin, são tão cínicas quanto ao governo que fica difícil imaginá-las fazendo algo mais que reclamar pelos cantos e reservar uma mensa num bom restaurante”.
Pois é, querida Marina, os que você diz quererem democracia não parecem estar inclinados em brigar por ela. Uma vez mais, seu cinema se faz necessário.