Marilyn Monroe, a persona que a 20th Century Fox inventou para Norma Jeane Mortenson, continua viva. 1º de junho marcou o 86º aniversário da protagonista de Adorável Pecadora e Quanto Mais Quente Melhor. Em agosto, completam-se 50 anos de sua morte.
Mesmo depois de tanto tempo e de o cinema americano ter passado por algumas transformações (a Era dos Estúdios representa um passado distante), pouco conhecemos da atriz Marilyn. Imagens já vimos muito. Momentos icônicos (a cena do metrô em O Pecado Mora ao Lado) também.
Ainda acho, porém, que falta fazer corpo a corpo com seus filmes (sem trocadilhos, por favor). A retrospectiva que o canal Telecine leva ao ar durante este mês de junho é um começo. Insuficiente, é preciso dizer.
A curadoria do canal (veja programação) privilegiou uma parte da persona de Marilyn Monroe: a da gostosa fatal, mas desprovida de neurônios ou presa à figura masculina para realizar seus desejos.
Como, por exemplo, a esposa infiel de Torrente de Paixão (Niagara), de Henry Hathaway, que irá ao ar no dia 9 às 14h no Telecine Cult. Rose, sua personagem, até esboça uma demonstração de independência, mas o machado do moralismo a amputa.
Marilyn em cena de Torrente de Paixão |
Dos cinco filmes da retrospectiva, talvez o que mais represente a persona de Marilyn é Adorável Pecadora (Let’s Make Love), mais uma produção mediana de George Cukor (que, a propósito, dirigiria também o derradeiro e inacabado filme da atriz, Something’s Got to Give). Feito em 1960, esse misto de comédia romântica e musical é também um documento indireto da mudança da sociedade.
Se em O Rio das Almas Perdidas (River of No Return, 1954), a sensualidade da atriz estava na cruzada de pernas sobre a mesa, ou em O Pecado Mora ao Lado nas pernas à mostra pela fenda do vestido), no filme de Cukor Marilyn passa um bom bocado com o corpaço à mostra, coberto apenas por uma lingerie.
Há uma passagem de mulher aqui. Cai o vestido rosa choque apertadíssimo que continha com fúria o corpo da atriz. Sobram as lingeries. E a triunfal entrada em quadro da atriz: pelas pernas.
Duas ausências na retrospectiva do Telecine são muito sentidas. Primeiro, Os Desajustados (The Misfits), que seria uma obra-prima não fosse pelo final digamos… coxinha. John Huston foi o único diretor disposto a registrar a tristeza natural do olhar da estrela e tentar encontrar uma atriz por trás do furacão. Trata-se de mais um filme interessante sobre o fim do Oeste (veja um trecho abaixo).
A segunda ausência é Nunca Fui Santa (1956). Mesmo com a direção medíocre de Joshua Logan, é o primeiro filme de Marilyn após a experiência de entrar para o Actors Studio e tentar se desvincular da pecha de femme fatale.
Numa das cenas mais bonitas, ela, que quer ser cantora mas sobrevive como mulher-objeto de um bar furreco, apresenta-se para o público. Tenta cantar, mas ninguém a ouve. Só quando deixa tudo à mostra (novamente a lingerie, desta vez verde, é quem contém seu corpo em ebulição) é que os homens param e prestam atenção. Cena bonita e que viria depois a ser copiada por Robert Altman em Nashville.
Aproveitando o motif deste post. Para quem gosta ou de relembrar ou de debater a figura de Marilyn Monroe – o que implica discutir um modelo de cinema, uma imagem de mulher –, recomendo, na cara de pau, um texto que fiz para a edição de junho da Revista Monet – a primeira foto deste post é um trecho da matéria.
No texto, fala-se do esquema de produção da Era dos Estúdios, do star system, da mulher que ela representou e da prisão ornamentada que Hollywood foi para ela
Cena de Adorável Pecadora: a Marilyn Monroe de sempre |
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