A cada revisão aumenta a força do plano mais poderoso de Mônica e o Desejo – o da foto deste post, em que ela, Mônica, casada, sai com outro numa noite qualquer buscando resgatar sua juventude perdida num casamento e maternidade precoces, e mira o espectador com um ar inquisidor de “Como ousas me julgar?”.
Esse olhar de Harriet Andersson abre as portas para o Ato III do filme. É a partir desse olhar desafiador de uma mulher que quer viver sua liberdade – e dane-se o que o mundo, inclusive o marido, pensa disso – que brota a resolução do enredo.
Há mais no filme de Bergman, desde as insinuações eróticas (Harriet andando de quatro pelo mato) à abordagem renascentista do horizonte como manancial de esperanças. Há muitas outras cenas e planos bonitos. Mas nada supera o torpor deste, em que Mônica devolve o questionamento antes mesmo de o espectador fazê-lo.
É esse poder que certas atrizes conseguem imprimir. É como Rita Hayworth em Gilda, na cena em que, perguntada pelo marido (“Gilda, are you decent?”), ela invade o quadro com uma sacudida de cabelo e devolve a pergunta com um “Me?”. Claro, Gilda e Mônica e o Desejo são dois cinemas inteiramente diferentes, o caso aqui não é comparar ambos os filmes. Mas um plano, aquele que sobrevive ao tempo e às revisões.
E esse olhar de Mônica para a câmera vai permanecer por muitos mais anos.
Bergman é tão fenomenal que decupa a cena começando por um plano detalhe numa mão que liga a jukebox, passa ao rosto de Mônica, omite e revela que com a moça está acompanhada de um homem e termina com o maravilhoso olhar de Harriet Andersson para a câmera num close-up.