Este blog tem andado em silêncio por duas razões. Em parte pelo acúmulo de trabalho, que tem me impedido de escrever mais atentamente sobre alguns assuntos (Esses não faltam: por que gostaram tanto de Faroeste Caboclo, meu Deus?!; rever A Memória que me Contam, de Lúcia Murat, agora sem a correria do Festival de Brasília; o filme novo do Shyamalan, Depois da Terra).
Em parte porque – o que se segue é óbvio, mas vai que você andou por Marte nos últimos dias – a cidade de São Paulo está fervendo. A semana passada foi especialmente complicada pela repressão absurda da polícia e a prisão arbitrária do meu amigo Pedro (o jornalista Pedro Ribeiro Nogueira).
Reunido com amigos para assistir o épico jogo 6 entre Miami Heat e San Antonio Spurs na NBA, falávamos de basquete, por supuesto, mas também das duas últimas manifestações. Do temor que uma bandeira específica – revogar o aumento da passagem do transporte público – se tornasse um guarda-chuva que, no fim das contas, acabasse abrigando a turma daquela bobagem monumental chamada Cansei. Imagino que neste momento, qualquer pessoa de bom senso esteja tentando entender o que está acontecendo porque a turma do Cansei realmente colou achando que a onda é a mesma para surfar.
Por que os veículos tradicionais que antes pediam uma ação firme da PM (editoriais da Folha e do Estadão) agora diferenciam manifestantes, ativistas e vândalos? Por que a capa de Veja coloca na mesma manchete tarifa do transporte, corrupção e criminalidade? Por que tem gente cantando hino nas manifestações?! Por que surgiu uma petição pelo impeachment da Dilma?! Por que muita gente no Facebook se coloca como se estivesse num Fla-Flu?
Enfim, questões. Basicamente, é isso que temos, aqueles com menos pressa em fazer comentários sucintos e definitivos sobre o que se passa. Ora a clareza (perceber que tem gente que não está acostumada a manifestações), ora mais dúvida (como assim acham que dá para resumir tudo num “O Brasil acordou”?).
Essa dúvida com o novo – veja bem, o novo não é a manifestação ou a politização, porque afirmar isso é embarcar no “Brasil acordou” e desconsiderar a pauta de movimentos sociais acordados há bastante tempo – me lembra as bobagens que já se disse, e continua dizendo, sobre o cinema, sobre um filme que demanda uma codificação que está além do repertório, do vocabulário e da vontade do espectador.
Tipo os narizes torcidos para Holy Motors. É obrigatório gostar do filme do Carax? Evidente que não. Mas falar “que não é cinema”, “que não faz sentido” é demonstração de preguiça, Pedro Bó. Ou falar que não gostou de Trabalhar Cansa “porque as atuações são artificiais demais” é cegueira apressada de quem só aceita o registro naturalista, de quem só está disposto a enquadrar o filme na sua própria cartilha do Isso Pode, Aquilo Não.
É o mesmo que a NAACP fez com o Blaxploitation. Filmes como Sweet Sweetback Baaaadasss Song ou Shaft eram novos e com posicionamento político que não correspondiam às aspirações integracionistas do negro bem comportado, o Sidney Poitier de Advinhe Quem Vem Pra Jantar?.
Ou ao preconceito com a Nouvelle Vague ou com um filme como Acossado, que detratores acusam de embaralhar o começo, meio e fim.
Ou seja, o novo é mais complexo do que chavões dão conta. Não dá para abarcar as últimas semanas com posts apressados de Facebook, nem com 140 caracteres de Twitter, nem com “o Brasil acordou” Assim como não dá para enquadrar um filme, uma tendência, um movimento que foge do repertório tradicional com “isso não é cinema”, “isso é artificial”.
Precisamos, ora pois, parar e pensar antes de falar desenfreadamente. Em vez de reclamarmos “do que não faz sentido em Trabalhar Cansa”, que tal pensarmos sobre que raios é aquela mancha estranha na parede que resiste em desaparecer?
Em tempo, alguns links para pensarmos:
Leonardo Sakamoto sobre a mistura dos coxinhas, anauês e afins
Débora Lessa e Camila Petroni no Brasil de Fato sobre o perigo do hino
Antonio Prata na Folha sobre não estarmos entendendo nada
Espero ser capaz de ver as coisas como são você, em algum momento na minha cidade acho que sempre que se pode vê-los é bom, então eu acho que nós temos que sempre fazer essas coisas enquanto podemos esperar para ver em Tatuape