IndieLisboa: Colo, de Teresa Villaverde

Colo é um filme de mal estar, ainda que não siga por inteiro a cartilha de “filme de mal estar” (planos dilatados, tempo propositalmente estendido, narrativa flat etc). Estão lá aspectos que reconhecemos de um certo tipo de cinema (o banho ao mar, a balada punk-rock onde se repete o tal “Whyyyyyyyy?” que gruda na cabeça), mas também lá está uma coisa outra, difícil de classificar e adjetivar. Essa, digamos, coisa outra, talvez seja a coragem da realizadora Teresa Villaverde em criar situações que não fazem sentido e trazê-las de forma tão direta para a superfície, determinando inclusive o destino dos três personagens.

Colo tem um sentido muito claro: acompanha-se três personagens completamente à deriva. O pai, que à semelhança (inclusive física) de um Marat Descartes em Trabalhar Cansa, está a enlouquecer por não conseguir bancar um suposto “papel de homem”; a filha de 17 anos, elaborando com tão poucos recursos internos o seu entorno que desaba; a mãe, a única que de fato não tem o direito de estar à deriva justamente por precisar manter as coisas de pé. Evidente que todos precisam urgentemente de colo, esse sentido é claro, didático até.

Não importa ao filme o dado do real – perda de emprego do pai, jornada dupla da mãe –, mas sim como os personagens elaboram esse real assustador. O filme está aí, aí está o que é de bom no filme. Em vez de utilizar as ações dos personagens para explicar o motivo inicial – a crise, individual e coletiva, financeira e de subjetividade, de uma pessoa e de uma geração –, Colo se permite mergulhar nos caminhos que os personagens tomam. É como se o filme fosse levado pela onda que arrasta o personagem e não fizesse questão alguma de puxar o freio ou organizar esse caminho para nós que assistimos. Os personagens vão e o filme permite-se ir junto com eles – por isso esse sentimento misto de não haver sentido nos gestos dos personagens, ou até mesmo de não haver coerência com o arco dramático. No caso aqui de Colo digo: dane-se o arco, deixe-me andar com essa menina pelas ruas rumo a cabana do homem das enguias!

A título de ilustração, faço uma comparação com um filme recente que também parte tanto da crise quanto da tentativa desesperada por se manter dignidade: Eu, Daniel Blake, de Ken Loach. Se lá temos uma progressão de bordoadas do mundo sobre os corpos de Daniel e de Katie, trabalhando num crescendo e organizadas rumo a catarse (a pichação no muro), cá temos um estado permanente de bordoadas que de tão gigantescas tornam-se impossíveis de agarrar com as mãos. Colo não se furta em nomear a raiz do mal estar, mas não se deixa aprisionar por uma necessidade de se manter fiel ao real ou especialmente ao verossímil. O pai faz algo absurdo, a mulher o olha, ele diz “Posso tentar explicar, mas vai ser complicado”. Sim, é complicado, não há explicação. É apenas ruim. Sinta-se isso. Ponto.

Logo de início Colo apresenta um real alcançável – como não conheço Portugal em detalhes, aqueles conjuntos de prédios me lembram mais as panorâmicas do subúrbio de Que fiz eu para merecer isso?, de Almodóvar – para em seguida desmontar a verossimilhança – um travelling bastante agressivo quando a menina pergunta “tem alguém em casa?”, aquela casa de um laranja artificial, tão teatral quanto uma locação de um filme de Fassbinder (sufocante, claustrofóbica, mortífera).

Tudo lá desde o início, e mais para o final o filme transforma-se em belíssimas molduras, planos construídos como quem capta pela pintura um momento fugidio, cujo efeito fica ainda mais poderoso na sala do Cinema São Jorge, pois as cadeiras ao nível da tela me dão a sensação de estar à frente de quadros dispostos num museu. Um bom jeito de começar um festival, pois.

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